quarta-feira, 27 de abril de 2011

A Rosa (II)

Mas também não adianta falar só das boas coisas da Rosa, não é verdade? Vocês acabarão pensando que é mentira!

Uma vez fiquei, realmente, um pouco chateado. Ela saiu pra comprar cigarros pra uma amiga - porque a Rosa mesmo não fuma, não - e passou semanas sem dar notícia. Aí foi difícil. Me imagine semanas sem a Rosa. Conseguiu? Pois é, imaginei que não. Tanta coisa me passou pela cabeça, meu Deus. Foram os piores dias de que já se teve registro. Mas não quero mais falar sobre isso, até mesmo porque depois ela chegou em casa, toda sorridente. Trouxe um cinzeiro que tinha escrito "passei em São Luís do Maranhão e me lembrei de você!". Coisa mais bonita. Eu estava chateado, mas diante de tão bela declaração, eu me rendi. O engraçado é que eu também não fumo, olha só! Ai, a Rosa e suas boas piadas. Aliás, até hoje não sei o que foi fazer no norte.
- Ô Rosa! Rosa? Naquele dia que você saiu pra comprar cigarro...

A Rosa é tão carinhosa. De vez em quando, quando chego em casa cansado, ela me faz uma massagem. Que massagem! Massagem de outro país, ela diz. Não sei como aprendeu se é de outro país, não é verdade? A Rosa e seus mistérios!

Dia desses a avistei de longe na feira, fazendo a feira. E conversava com o quitandeiro sobre a feira que fazia. Como era mesmo o nome dele? (...) Seu Alberto! Grande Alberto. "Seu Alberto, me veja uns bons tomates". Devia ser algo assim. "Rosa! Ô Rosa!", eu gritei. E não é que ela fingiu não me ouvir? Saiu toda apressada. Mas depois eu entendi. Queria me fazer uma surpresa! Mandou bordar meu nome na blusa, pra me mostrar depois. Só não vestiu porque preferia lavar antes. Toda organizada, a Rosa...

A Rosa não é do tipo materialista, que dá prejuízo. Não é. Disso eu sei porque, uma vez, notei que sumiu dinheiro da carteira. Coisa de "entos" reais. Imagine você a minha aflição: dentro de casa somos só nós dois. Seria possível, meu Deus? Eu pensei. Fui falar com ela. Mas fui falar com o coração na mão. "Rosa, preciso falar com você uma coisa. Antes eu quero que saiba, não há porque mentir para mim. E, também, eu estou aqui para o que você precisar. Qualquer coisa mesmo, tristeza, doença, dinheiro...". E antes que eu terminasse, ela: "Meu amor, queria mesmo te falar, peguei uns trocadinhos na sua carteira pra comprar umas verdurinhas na quitanda, pra fazer aquele feijãozinho que você tanto gosta." Tive vontade de perguntar se teve troco, mas ela falando daquela maneira eu esqueci até que tinha uma fonte de renda. É uma graça, a Rosinha.

(continua, ou não)

Lua

quarta-feira, 20 de abril de 2011

A Rosa

Faz 13 anos que me casei com Rosa, e ela sempre foi assim mesmo. Foi por isso que me casei com ela. Não tem essa história de que no começo é tudo um mar de rosas. A verdade é que vivo num mar de rosas há 13 anos. Quero dizer, mar de Rosa, sem o plural da expressão. Até porque, rosa mesmo, só uma.

É certo que deixei uns projetos por causa dela. Mas eram projetos de casa, de trabalho, de amigos. Nada demais. E também, não é, qual é a relação que não tem isso de abandonar uns projetos? Pois é, nenhuma. E se você a conhecesse, também deixaria uns projetos de lado, e entenderia o que estou dizendo. Feito a Rosa não existe. Mulher bonita de verdade, sincera, cozinha que é uma coisa. E sem falar no bom humor matinal, na gentileza e na simpatia, na bondade...

A Rosa é até brincalhona! Tem cada piada boa, meu Deus. Dia desses trocou meu nome. Me chamou de Alberto, olha só. Não deu tempo nem para a estranheza, desatei-me a rir. Alberto é o personagem da novela que ela gosta. Sabe o Alberto, marido da Irene, da novela? Bom, eu não sei por que meu negócio mesmo é futebol, mas ela garantiu. E parece que a novela é boa mesmo.

A Rosa dá plantão à noite. Eu até insisti, disse que não havia necessidade, que ela podia ficar cuidando só da casa, que o que eu ganho dá muito bem pra o sustento. Mas ela não quis. Ficou até um pouco chateada. Disse que queria sim ajudar nas contas: “onde já se viu, ficar em casa, cuidando só da casa?”. Falou com uma graça! Eu deixei.

Agora, escola de samba é assunto sério, não é verdade? Eu sempre fui da Portela. E a Rosa também. A casa, eu fiz questão de comprar bem perto da sede. Pena é que, como a Rosa é plantonista, é difícil pra ela dar uma passada lá. Ainda bem, ela não faz questão que eu fique em casa. Mas uma vez eu fiquei pra dar aquele agrado à patroa. Não é que peguei-la saindo de verde e rosa? Ah, Rosa atrapalhada, trocou as cores da Portela! Eu quase penso besteira! Mas é tanta coisa na cabecinha dela...

(continua)

lua

terça-feira, 5 de abril de 2011

o homem e seu filho

lua

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Trocando em Miúdos

O número chamado encontra-se desligado ou fora da área de cobertura, deixe sua mensagem após o toque. (toque)

Eu vou lhe deixar. A propósito, a medida do bonfim não me valeu. Mas fico com o disco que gosto, o do pixinguinha. (...) Sim. O resto é seu, não me importo. Tchau.

Deu tchau, mas não desligou ainda. As orações desse seu primeiro período quiseram levar na esportiva a situação, uma reação comum aos seres. Respirou fundo e agora sim nada de esportiva. Agora falaria com o sentimento original do seu corpo, cheia de náusea e formigamento. Por dentro, trocava-se em miúdos.

Pode guardar as sobras daquilo que chamávamos de lar. Guarda tudo que fomos nós. Pode guardar até naquela gaveta do meio, cheia de nós de meias, pra o "nós" não ficar tão sozinho. (e sorriu)

[Se você leu o trecho acima e achou tosco, é porque foi de fato. Lembre-se de que não foi escrito e depois dito. Foi dito e depois escrito. Eu não tenho culpa. Zelo para que tudo possa ser muito bem entendido.]

E sorriu. Voltava a brincar como tinha começado. Depois pediu para guardar as melhores lembranças, que não iria lhe custar nada, que o que foi bom tinha mais é que ficar guardado mesmo. Mais piegas impossível. Entretanto, respirou novamente. Agora teve receio de que aquela maneira como falava deixasse a entender que fazia algo sem pensar muito bem, que estava beirando o arrependimento. E não estava. Então decidiu falar a verdade como ela era; um discurso totalmente diferente. Se isso fosse uma música até a melodia oscilaria.

Olha, aquela esperança de tudo se ajeitar, pode esquecer. Até a aliança mesmo, você não precisa guardar. Sei lá, faz outra coisa com ela. Já sei, derrete e faz um broche! Ou então empenha e compra alguma coisa. Não vai dar pra comprar um carro, mas vai ajudar nas contas do mês. Bom, agora vou indo mesmo, de vez. Tchau.

Preciso ser um pouco prolixa para que entendam o que se deu, coisas que um parágrafo não explica. Antes de dizer que ia mesmo, de vez, bateu aquela angústia que precede o choro. Dessa maneira, era melhor desligar. Lembrou-se do porquê disso tudo, e achou melhor desligar. Desligou antes que dissesse umas poucas e boas, que não lhe daria o prazer de vê-la chorar, que, apesar de todo o estrago feito, não iria lhe cobrar absolutamente nada, pois não era do seu feitio, ela era boa demais pra isso. Mas desligou antes de dizer ao telefone. Sobrou pra empregada, a Maria.

Estou errada, Maria? Aliás, ele que aceite uns trocados da dita cuja, pro aluguel. Idiota. Maria, pega aquela mala que vou viajar. Pensa que eu vou ficar aqui choramingando? Ah, não. Aproveita e pega pra mim, Maria, aquele livro que deixei na mesinha de cabeceira, que eu vou levar. Não vou desocupar minha cabeça por um segundo, pra não pensar besteira. Não mesmo. Também não vou levar mais muita coisa. Só umas roupas e a carteira de identidade. Como assim, o livro não está lá?

É claro que o livro não estava lá. Ela o tinha emprestado há séculos, mas ele nunca tinha lido. Não sei como esqueceu. Um Neruda daquele não se esquece. Um verdadeiro achado. Quando se deu conta pensou em deixar outro recado dizendo da sua falta de cultura. Mas achou melhor não fazer alarde. Só bateu o portão e despediu-se de Maria.

Tchau, Maria.

A Maria, que agora ia entrar pra ver se pegava ainda o finalzinho do seu programa de televisão favorito, interrompido anteriormente, respondeu "Tchau D. ...". E depois, bem baixinho, "já vai tarde".


lua